quinta-feira, 7 de maio de 2009

Bancos centrais devem visar mais do que apenas a inflação

Os problemas e limites do modelo de metas inflacionárias são bem conhecidos, mas devido ao "relativo sucesso" no Brasil, raramente comentados em público. O debate no grande bananão acabou restrito a questão dos juros elevados, ignorando, totalmente, sua relação, obvia, como o modelo de política monetária adotado. Quem sabe a crise e o artigo abaixo do Martim Wolf, consigam mudar este cenário.


O estabelecimento de meta de inflação fracassou? Os bancos centrais em grande parte escaparam da culpa pela crise. Mas eles merecem isso?

Há mais de cinco anos, Ben Bernanke, o atual presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), fez um discurso sobre a "Grande Moderação" - a decrescente volatilidade da inflação e do produto em relação às duas décadas anteriores. Nele, ele enfatizou o papel da política monetária aprimorada. Os banqueiros centrais se sentiam orgulhosos de si mesmos. O orgulho precede uma queda. Hoje, eles estão lidando com a mais profunda recessão desde os anos 30, um sistema bancário cuja vida depende do governo e o risco de deflação. Como as coisas deram tão erradas?

Isso não é coisa pouca. Ao longo de quase três décadas, os legisladores e os acadêmicos se tornaram cada vez mais confiantes de que tinham encontrado, na meta inflacionária, o santo graal do dinheiro fiduciário. Foi uma longa jornada desde o padrão ouro do século 19, passando pelo padrão restaurado de câmbio-ouro dos anos 20, caos monetário dos anos 30, sistema Bretton Woods de taxas de câmbio ajustáveis dos 50 e 60, fim da convertibilidade do dólar em ouro em 1971 e metas monetárias dos anos 70 e 80.

Frederic Mishkin, da Universidade de Colúmbia, um ex-diretor do Federal Reserve e um forte defensor de meta de inflação, argumentou, em um livro publicado em 2007, que a meta de inflação é uma "uma estratégia que inclui a informação para a condução da política monetária".* Em outras palavras, a meta de inflação permite a consideração de todas as variáveis relevantes - taxa de câmbio, preço das ações, preços dos imóveis e os preços dos títulos de longo prazo - via seu impacto sobre a atividade e inflação potencial. Agora que estamos convivendo com a implosão do sistema financeiro, esta visão não é mais plausível.

Não menos desacreditada é a visão relacionada, também promovida pelo Fed, de que é melhor lidar com o pós-estouro das bolhas de preços de ativos do que estourá-las antecipadamente. O prof. Mishkin escreveu que "é altamente presunçoso achar que as autoridades do governo, mesmo que sejam banqueiros centrais, saibam mais que os mercados privados quais devem ser os preços dos ativos". Hoje, poucos se importariam com tal presunção, dados os custos das crises financeiras que seguem as bolhas de preços de ativos acompanhadas por grandes expansões no crédito privado.

A complacência em relação à Grande Moderação levou primeiro ao Grande Desemaranhamento e então à Grande Recessão. O setor privado foi complacente em relação ao risco. Mas também o foram os legisladores.

E que papel exerceu a política monetária? Eu posso identificar três críticas relacionadas aos bancos centrais.

Primeiro, John Taylor, da Universidade de Stanford, um ex-funcionário do governo Bush, argumenta que o Fed perdeu seu rumo ao manter as taxas de juros baixas demais no início dos anos 2000 e assim ignorando sua epônima regra de Taylor, que relaciona as taxas de juros à inflação e produção.** Isto causou o boom imobiliário e o subsequente estouro destrutivo.

O prof. Taylor tem um ponto adicional: ao baixar demais as taxas, o Fed, segundo ele, também fez com que baixassem as taxas oferecidas por outros bancos centrais, portanto gerando bolhas por grande parte do mundo. Em retrospecto, por exemplo, a autonomia do Banco da Inglaterra era muito menor do que a imaginada: quanto maior a diferença da taxa de juro com a dos Estados Unidos, mais dinheiro especulativo ingressava. Isso induziu uma queda dos padrões da concessão de crédito e assim uma bolha de crédito.

Segundo, vários críticos argumentam que os bancos centrais deviam visar os preços dos ativos por causa dos enormes estragos subsequentes que os estouros das bolhas provocam. A. Andrew Smithers, da Smithers & Co. com sede em Londres, nota em um recente relatório ("Inflação: Nem Inevitável e Nem Útil", 30 de abril de 2009), que "ao permitir bolhas de ativos, os bancos centrais perderam o controle de suas economias, de forma que os riscos tanto de inflação quanto de deflação aumentaram".

Logo, quando os preços nominais dos ativos e o crédito associado se desalinham da renda nominal e dos preços dos bens e serviços, uma entre duas coisas provavelmente acontecerá: um colapso dos preços dos ativos, com ameaça de falência em massa, depressão e deflação; ou os preços de bens e serviços são elevados a um nível consistente com os preços altos dos ativos, sendo que neste caso há inflação. A curto prazo, os bancos centrais também se veem voltados a políticas monetárias não convencionais que apresentam efeitos monetários imprevisíveis.

Finalmente, os economistas da tradição "austríaca" argumentam que o erro foi estabelecer taxas de juros abaixo da "taxa natural". Isso, argumentou Friedrich Hayek, também aconteceu nos anos 20. O resultado é uma alocação imprópria de recursos. Também gera um crescimento explosivo de crédito inseguro. Então, em uma recessão - como argumentou o economista americano, Irving Fisher, em seu "Debt-Deflation Theory of Great Depressions", publicado em 1933 - a deflação no balancete se estabelecerá, agravada enormemente pela queda dos preços e encolhimento da renda.

Seja qual for a crítica que se aceite, parece claro, olhando para trás, que a política monetária foi muito frouxa. Como resultado, nós agora enfrentamos dois desafios: limpar a bagunça e desenvolver uma nova abordagem à política monetária.

Para a primeira, nós temos três alternativas: liquidação, inflação ou crescimento. Uma política de liquidação ocorreria por meio de falência em massa e o colapso de grande parte do crédito existente. Esta é uma escolha insana. Uma política deliberada de inflação redespertaria as expectativas inflacionárias e levaria, inevitavelmente, a outra recessão, visando restabelecer a estabilidade monetária. Isso nos deixa apenas o crescimento. É essencial sustentar a demanda e retornar ao crescimento sem inflar outra bolha de crédito. Isso será difícil. Por este motivo é que não deveríamos ter caído no atoleiro, para começar.

Para a segunda, a escolha a curto prazo certamente será "meta de inflação" mais algo. Descartada deve ser a abordagem de "gestão de risco" do Fed, que provocou uma resposta desnecessariamente assimétrica aos choques econômicos negativos. Adotada deve ser uma "tendência contra o vento" sempre que os preços dos ativos subirem rapidamente e a níveis excepcionalmente altos, juntamente com uma abordagem contracíclica "macroprudente" às exigências do capital em instituições financeiras importantes para o sistema.

Esta crise não prevista é certamente um desastre para a política monetária. A maioria das pessoas - eu entre elas - achou que tínhamos finalmente encontrado o santo graal. Agora sabemos que era uma miragem. Esta pode ser a última chance do dinheiro fiduciário. Se não conseguir ser aprimorado para funcionar melhor do que antes, quem sabe o que nossos filhos poderão decidir? Talvez, em desespero, eles até mesmo adotarão o que ainda considero ser o absurdo do ouro.