sexta-feira, 1 de maio de 2009

O conserto dos sistemas financeiros falidos está apenas começando

Mais um artigo fundamental do Martin Wolf. Leitura obrigatória, principalmente, para a turma de sempre: condenamos o pecado - no caso o desconhecimento da teoria econômica elementar - e não o pecador.


Seremos capazes de arcar com o conserto de nossos sistemas financeiros? A resposta é sim. Nós não podemos arcar com as consequências de não consertá-los. A grande pergunta é qual a melhor forma de fazê-lo. Mas consertar o sistema financeiro, apesar de essencial, não é o bastante.

O mais recente Relatório de Estabilidade Financeira Global do Fundo Monetário Internacional (FMI) fornece uma análise convincente e grave sobre o estado do sistema financeiro. A equipe levantou suas estimativas das perdas como sendo próximas de US$ 4,4 trilhões. Isso em parte porque o relatório inclui estimativas de baixas em ativos europeus e japoneses, em US$ 1,193 trilhão e US$ 149 bilhões, respectivamente, e dos ativos de mercados emergentes mantidos por bancos em economias maduras, em US$ 340 bilhões. Também porque as baixas dos ativos originados nos Estados Unidos saltaram para US$ 2,712 trilhões, em comparação a US$ 1,405 trilhão em outubro passado e meros US$ 945 bilhões em abril do ano passado.

O FMI também estima as necessidades adicionais de capital dos bancos. Ele começa com as perdas totais relatadas até o final de 2008, que chegam a US$ 510 bilhões nos Estados Unidos, US$ 154 bilhões na zona do euro e US$ 110 bilhões no Reino Unido. O capital levantado até o final de 2008 é, de novo, US$ 391 bilhões nos Estados Unidos, US$ 243 bilhões na zona do euro e US$ 110 bilhões no Reino Unido. Mas o FMI estima baixas adicionais em 2009 e 2010 em US$ 550 bilhões nos Estados Unidos, US$ 750 bilhões na zona do euro e US$ 200 bilhões no Reino Unido. Contra isso, ele estima os lucros líquidos em US$ 300 bilhões nos Estados Unidos, US$ 600 bilhões na zona do euro e US$ 175 bilhões no Reino Unido.

O FMI aponta a relação entre o total do capital comum e o total de ativos -uma medida em que confiam os investidores queimados por relações mais sofisticadas, corrigidas pelo risco- foi de 3,7% nos Estados Unidos no final de 2008, mas 2,5% na zona do euro e 2,1% no Reino Unido. O FMI conclui que o capital extra necessário para reduzir a alavancagem para 17 para 1 (ou capital comum para 6% do total de ativos) seria de US$ 500 bilhões nos Estados Unidos, US$ 725 bilhões na zona do euro e US$ 250 bilhões no Reino Unido. Para uma alavancagem de 25 para 1, a injeção necessária seria de US$ 275 bilhões nos Estados Unidos, US$ 375 bilhões na zona do euro e US$ 125 bilhões no Reino Unido.

Nas atuais circunstâncias difíceis, as chances de levantar essas somas junto aos mercados são zero. Parte do motivo é que ainda podem provar ser insuficientes. Afinal, as estimativas do FMI de baixas potenciais apenas de ativos americanos cresceram quase três vezes em apenas um ano. Não causaria surpresa se crescessem novamente.

Mas estas não são as únicas somas necessárias. Os governos forneceram até agora US$ 8,9 trilhões em financiamento aos bancos, por meio de facilidades de empréstimo, esquemas de compra de ativos e garantias. Mas isto é menos de um terço de suas necessidades de financiamento. Com base na suposição de que os depósitos crescem atrelados ao PIB nominal, o FMI estima que o "gap de refinanciamento" dos bancos -a rolagem das dívidas de curto prazo por atacado, mais o vencimento das dívidas de longo prazo- subirá de US$ 20,7 trilhões no final de 2008 para US$ 25,6 trilhões no final de 2011, ou pouco mais de 60% do total de seus ativos. Isso parece uma receita para um imenso encolhimento nos balancetes. Além disso, mesmo estas somas ignoram o desaparecimento do empréstimo securitizado via o chamado "sistema bancário paralelo", que foi particularmente importante nos Estados Unidos.

O FMI também fornece novas estimativas dos custos fiscais finais dos esforços de resgate. No extremo mais alto estão os Estados Unidos e o Reino Unido, com 13% e 9% do PIB, respectivamente. Em outros lugares, os custos são mais baixos. Estas, felizmente, são somas bancáveis. De fato, em comparação ao impacto da recessão sobre a dívida pública, elas parecem bastante administráveis. É verdade que os custos provavelmente acabarão sendo maiores. Mas a grande probabilidade continua sendo a de que os custos fiscais de recessões profundas são substancialmente maiores do que os do resgate financeiro. A recusa em resgatar os sistemas financeiros por parecer caro demais é um caso clássico de ser "penny wise, pound foolish" (cuidadoso no gasto de pequenas somas, mas não no gasto de grandes somas).

Um melhor argumento para a recusa em socorrer os bancos é seu efeito nocivo sobre os incentivos. A alternativa então seria a falência. Jeremy Bulow, da Universidade de Stanford, e Paul Klemperer, da Universidade de Oxford, apresentaram um esquema que poderia fazer isso de modo limpo. As funções bancárias valiosas de cada instituição seriam separadas em um novo banco "ponte", deixando as dívidas (fora os depósitos) no banco velho. Os credores deixados para trás receberiam uma participação acionária no novo banco. Os governos poderiam "inteirar" alguns credores além desse nível, sem inteirar todos os credores, como agora.

Uma opinião respeitável presume que seria melhor fornecer um resgate pleno aos credores em instituições importantes para o sistema. O argumento para isso é que esta é a única forma de eliminar futuro pânico. A objeção não é o custo fiscal. É que surgiria um número limitado de instituições complexas, "grandes demais para falir". Seus credores naturalmente acreditariam estar emprestando aos governos. Isto seria uma receita para catástrofes ainda maiores nos anos futuros.

Mas a imposição de grandes prejuízos aos credores é de fato arriscada. Teria que provavelmente ser feita simultaneamente em toda parte. Apenas após ficar óbvio quais bancos sobreviventes são sólidos é que alguém estaria disposto a emprestar para eles sem garantias.

Pior que esta escolha entre alternativas desagradáveis é o fato de que o caminho para a recuperação provavelmente será lento, independente de qual seja escolhido. Como nota o mais recente Panorama Econômico Mundial em um capítulo importante, as recessões que ocorrem após crises financeiras são incomumente severas. Assim como as recessões sincronizadas globalmente.

Mas agora estamos vivendo uma recessão sincronizada globalmente que coincide com uma imensa crise financeira que emana dos países principais da economia mundial, particularmente os Estados Unidos. Esta é uma receita para uma longa recessão e uma fraca recuperação. O que quer que seja feito a respeito do sistema financeiro, "desalavancagem" é a ordem do dia. A posição do Reino Unido nisto parece horrível. Mas a dos Estados Unidos também parece bem ruim, até mesmo comparada à do Japão nos anos 90.

Para melhor ou para pior, as autoridades decidiram resgatar seus sistemas financeiros com dinheiro do contribuinte. Quase todos os países afetados devem poder arcar com isso, pelo menos segundo os números do FMI. Assim, tendo tomado a decisão fundamental de impedir a falência, eles devem devolver seus sistemas financeiros à saúde o mais rapidamente que puderem.

Mesmo assim, essa provará ser uma condição necessária, mas não suficiente, para um retorno à saúde econômica robusta. O volume da dívida torna a desalavancagem inevitável. Mas ela mal começou. Aqueles que esperam por um rápido retorno ao que consideravam normal há dois anos estão iludidos.