terça-feira, 27 de outubro de 2009

Willianson, FMI e Brasil

Como se diz: quem te viu, quem te ve... quem diria, alguns tigres perdem as listas.


A ação brasileira ao impor um tributo sobre certas formas de fluxo de capital estrangeiro, a fim de controlar a alta da moeda do país, tem grande importância, prática e simbólica.
O valor simbólico está no fato de que a decisão sinaliza o fim da era em que os mercados emergentes viviam enamorados dos financiamentos estrangeiros e na expressão de uma disposição de agir para moderar fluxos de capital externo. Em termos práticos, a importância está na ampliação do arsenal de que os países podem dispor para moderar o superaquecimento de suas economias. O caso serve como boa ilustração do tipo de medida que as autoridades econômicas podem usar para deter um superaquecimento incipiente nos preços dos ativos.
A resposta do FMI (Fundo Monetário Internacional) à medida foi cálida ou até ligeiramente negativa. Um importante dirigente da instituição afirmou que "esse tipo de imposto oferece alguma margem de manobra, mas nem tanto, e por isso os governos não deveriam se sentir tentados a postergar ajustes mais fundamentais. Em segundo lugar, implementar esse tipo de taxa é muito complexo, porque ela precisa ser aplicada a todos os possíveis instrumentos financeiros"; ele acrescentou que esse tipo de imposto se havia provado "poroso" em diversos países.
A resposta é decepcionante não porque esteja errada, mas porque reflete que a abordagem intelectual do FMI quanto à globalização das finanças continua a mesma. Essa abordagem sempre envolveu desaprovação implícita a esse tipo de medida, por meio de apelos aos países para que tomem medidas complementares (melhor governança empresarial, reforço de regulamentações financeiras etc.), a fim de preservar influxos estrangeiros, que o FMI vê como sacrossantos.
Para os países de mercado emergente, o problema vem sendo o de que nem sempre é fácil implementar medidas como essas em curto prazo, de modo que a questão prática premente do que fazer quanto aos influxos excessivos persiste, e não há muita orientação do FMI quanto a respostas.
Taxas sobre os fluxos de capital têm seus problemas, mas isso não é argumento contra elas. Nenhuma pessoa sensata acredita que taxas não devam ser impostas porque podem ser, e serão, sonegadas. Em lugar disso, seria necessário procurar as melhores maneiras de ordenar essas medidas (a base deveria ser o preço ou a quantidade?
Que espécie de influxo deve ser visado preferencialmente, para títulos de dívida ou de capital? Qual é a duração mais efetiva para essas limitações? Quando elas devem ser retiradas?), de modo a que os benefícios sejam maximizados, e os riscos, minimizados.
Em lugar de continuar recebendo medidas como essa com um banho de água fria, o FMI deveria considerar que elas oferecem uma oportunidade intelectual. Deveria continuar a apoiar os países em sua busca de fluxos de capital mais abertos, como objetivo estrutural, de longo prazo. Mas também é preciso que reconheça que surtos de alta no fluxo de capitais podem representar um sério desafio macroeconômico, capaz de requerer resposta cíclica diferenciada.
Para os mercados emergentes, o arsenal de medidas de política econômica contra crises futuras precisa abarcar medidas de restrição em forma contracíclica do crescimento de crédito e do endividamento, especialmente as altas no influxo de capital. O motivo mais importante para que o FMI leve a sério a medida tomada pelo Brasil se refere a ideologia e narrativa.
Se a crise mundial deriva, em parte, de um sistema de crenças que elevava de maneira indevida o status das finanças, o FMI contribuiu, de forma explícita ou implícita, para que fosse santificado o capital estrangeiro. Isso impôs um custo pesado, e subestimado, aos países de mercado emergente: caso tomassem medidas de restrição ao fluxo de capital, corriam o risco de ser vistos como avessos ao livre mercado e imprudentes em suas políticas econômicas.
Ao reconhecer que, em certos casos, limitações sensatas aos fluxos podem ser uma resposta de política econômica pragmática e razoável, o Fundo eliminaria o estigma de aversão ao livre mercado que ações como as empreendidas pelo Brasil correm o risco de sofrer.
De fato, o medo desse estigma fica evidente na recente medida brasileira: as magnitudes são pequenas, e o Brasil vem se esforçando por enfatizar a natureza temporária das limitações e as duas coisas fazem com que o mercado leve a medida menos a sério, o que prejudica sua eficiência.
Caso o estigma não existisse, o imposto sobre o fluxo poderia ter sido definido de forma melhor e aplicado com mais confiança, a fim de garantir sua efetividade. O mundo precisa de uma abordagem menos doutrinária quanto aos influxos de capital estrangeiro. Ajudar o Brasil em sua decisão, em lugar de divulgar uma resposta negativa, sinalizaria que o FMI está desempenhando papel construtivo para facilitar essa mudança.

ARVIND SUBRAMANIAN e JOHN WILLIAMSON são pesquisadores sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional.