quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A política monetária e o crédito


Ótimo artigo do Nakane & Andrade. Argumento, teorico, interessante.



Diante do evidente aquecimento da economia brasileira e do consequente ciclo de elevação de juros que vem sendo promovido pelo Banco Central, torna-se pertinente avaliar a importância do canal de crédito para o Brasil, no que diz respeito ao impacto do aperto monetário sobre o volume de crédito. Uma avaliação empírica mostra que, no período recente, dois elementos importantes podem ter alterado a relevância do mercado de crédito como mecanismo de transmissão da política monetária.

O primeiro é a evolução dos volumes de empréstimos na economia brasileira nos últimos anos. É de se esperar que a importância do canal de crédito seja maior à medida que avance o processo de aprofundamento financeiro da economia. Ou seja, uma mesma variação na taxa Selic deveria resultar em uma contração maior do crédito conforme o mercado se desenvolva.

O segundo elemento importante são as operações de crédito direcionado em geral e as do BNDES, em particular. Como parte da política anticíclica engendrada pelo governo em resposta à crise financeira mundial, os empréstimos do BNDES alcançaram proporções significativas no período recente. Segundo o Banco Central, os saldos das operações de crédito do BNDES saltaram de 6,1% do PIB em meados de 2008 para 9% em dezembro de 2009.

As operações do BNDES têm dois impactos importantes sobre o mercado de crédito. Em primeiro lugar, atuam como operações substitutas às realizadas pelos bancos comerciais. O segundo possível impacto da atuação do BNDES está mais relacionado ao tema desse artigo e diz respeito ao enfraquecimento do canal de crédito na presença das operações de financiamento dessa instituição. Se ocorrer o deslocamento das operações de crédito do segmento livre para as linhas do BNDES, então a contração monetária deve ser mais forte para que se tenha o mesmo impacto sobre a economia pelo canal de crédito, pois ela estaria atuando sobre uma menor parcela de empréstimos com recursos livres. Isso ocorre pois as operações do BNDES não são feitas a taxas de mercado e, portanto, não são afetadas pela política monetária.

Assim, enquanto o aprofundamento do mercado de crédito no segmento livre observado nos últimos anos aumenta a importância daquele canal como mecanismo de transmissão da política monetária, a expansão das operações do BNDES atua no sentido oposto. Quando os dois elementos estão presentes, o efeito líquido é incerto. A questão torna-se empírica e é para esse propósito que procedemos a este estudo.

Para investigar a importância do aprofundamento financeiro da economia em conjunto com o aumento das operações do BNDES no canal de crédito, procuramos estimar uma equação de demanda por crédito na economia brasileira. O modelo captura os principais canais de interesse discutidos anteriormente. Em linhas gerais, é confirmada a expectativa de que um aperto monetário contrai a demanda por crédito livre e que as operações direcionadas amortecem o impacto do aperto sobre a demanda por crédito com recursos livres.

A partir daí, são feitos dois exercícios contrafactuais. O primeiro tem por objetivo simular o comportamento do mercado mediante variações apenas na taxa Selic. Neste caso, imaginamos que inexistam os direcionamentos de crédito e que o único impacto da política monetária se dá por meio dos juros. Simulamos o que ocorreria com os saldos de crédito livre se, em cada mês do período amostral, o Banco Central tivesse aumentado a taxa Selic em 1 ponto percentual. Os efeitos aumentam com o tempo, reproduzindo a intuição de que o aprofundamento do mercado de crédito torna mais importante esse canal na economia.

No segundo exercício, introduzimos o impacto do BNDES. Ou seja, o efeito da taxa de juros é agora mensurado levando em conta o estoque de crédito do banco de fomento. Aqui, calculamos quanto seriam os saldos no segmento livre se, em cada mês do período amostral, a taxa de juros fosse 1 ponto percentual acima do efetivamente observado.

A figura mostra a diferença nos saldos de crédito livre assim computado com os saldos efetivamente observados em cada mês. Considerando os efeitos das operações do BNDES, a contração monetária provoca um efeito menor sobre os saldos do crédito livre. Conclui-se, dessa forma, que a importância cada vez maior dos saldos direcionados no volume de crédito total da economia diminui a eficácia da política monetária sobre o mercado de crédito, visto que os empréstimos não são realizados em condições de mercado. Consequentemente, para que seja obtido o mesmo efeito sobre os saldos de crédito totais, é preciso que o aumento da Selic seja maior por parte do Banco Central.

Fonte: Valor