segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Entrevista com Ruy Fausto


Interessante entrevista, não publicada, com o Ruy Fausto, filosofo marxista e "darling" da esquerda universitária nos dois lados do rio pinheiros.


RESPOSTAS A UMA ENTREVISTA

Tomei distância em relação ao PT por causa do escândalo chamado de “mensalão”, e de outros casos ainda mais graves e tenebrosos. O que é o PT? Há algum tempo, meu colega André Singer, jornalista e ex-´portavoz do governo, escreveu um artigo sobre o tema, publicado na revista do Cebrap, artigo do qual se falou bastante. O texto, bastante rigoroso, era centrado numa análise das bases de classe do PT, e se apoiava em textos clássicos, como o 18 de Brumário, de Marx, e também em Gramsci. Ora, acho que se a elucidação do que é o PT deve passar por esse tipo de investigação focalizada nas relações entre as classes, ela não pode ficar nisso. A observação vale, também, para o caso de outros partidos brasileiros.

Que é o PT?

Acho que ele é muitas coisas. Por um lado, o que já complica, o PT é ele mesmo, e o Lula... Depois, dentro dele, existem, creio, pelo menos três elementos. Há ainda, lá dentro, grupos bastante radicais, cujos projetos, como sempre, não estão isentos de ilusões com as formas autoritárias (ou néo-totalitárias) de governo. Há, em segundo lugar, grupos empenhados em reformas, e com uma consciência democrática suficientemente arraigada. Há, em terceiro lugar, os setores que, na falta de um termo melhor, deveríamos chamar de “máfias”. O PT é, a meu ver, isso tudo. E, sendo assim, se uma análise das bases de classe do partido é válida e até (entre outras coisas) se impõe, ela evidentemente não dá conta de tudo o que existe no PT, principalmente do “terceiro elemento”.

No 18 Brumário de Brumário de Marx há lugar para as máfias, mas finalmente eles giram na superfície do que seria, essencialmente, um conflito de classes. Ora, isso representa uma limitação, para analisar uma experiência como a brasileira. Sem dúvida, as máfias atuam sobre o fundo de uma sociedade em que existem classes e diferenças de classe. Mas eu diria que seu movimento é, de certo modo, autônomo. Ou, mais precisamente, que elas apontam, antes de mais nada, para elas mesmas. Para isso, é necessário em primeiro lugar, que se fale delas (nas análises mais sofisticadas, por incrível que pareça, elas, freqüentemente, são pura e simplesmente esquecidas). Que se pode dizer hoje do PT? Que empurrado pelo que ele tem de melhor (e esse melhor “corta” tendências e personagens), ele pôs em prática programas sociais que deram certo, embora em escala limitada. É preciso ressaltar esse fato, e lutar para que esses programas sejam mantidos e ampliados. Mas ao mesmo tempo, deve-se dizer que não só eles vêm junto com uma política econômica que, sob certos aspectos, é contestável, mas que eles coexistem com o fenômeno do peso crescente de grupos suspeitos (e até pior do que isto) dentro do partido ou no perímetro das suas alianças. Dilma continuará a implementar as medidas econômicas populares do governo Lula. Muito bem. Mas, com Dilma, sobe ao poder, embora não só ele, um grupo ou grupos bem conhecidos pela vontade com que lidam com o dinheiro público, e pela “desenvoltura” dos seus métodos. Por outro lado, Dilma seria eleita em aliança com o PMDB, e com um candidato a vice sobre o qual se poderia dizer algumas coisas. Outro problema é o da política externa do PT. Não vejo como parte da esquerda pode se entusiasmar com essa política. Ela remete a um pretenso “anti-imperialismo” que cultiva gente do tipo de Ahmadinejad, alguém que metralha manifestantes, apedreja mulheres, falsifica eleições etc etc. E ela conduz o nosso presidente a comparar dissidentes cubanos com bandidos.
O provável novo governo petista continuará nessa via desastrosa? Dito isto, que atitude tomar diante da candidatura Dilma?

Manter e ampliar programas como a bolsa família, o micro-crédito etc é muito desejável, mas o peso político que ganharão certos grupos (agravado por uma vice-presidência entregue ao PMDB) é real. E não temos garantias de que a política externa de Dilma será mais atenta à crítica dos despotismos pretensamente socialistas ou terceiromundistas. O julgamento da candidata depende do peso relativo que se dê a cada um desses fatores. Mas é preciso analisar também os outros candidatos. Não sei se vale a pena continuar falando do PT, porque, como já disse, é impossível falar desse partido, e da sua candidata (e avaliá-los), sem comentar os outros partidos e candidatos.

Que tal se passarmos a esses temas? Voltaríamos depois ao PT, se houver tempo e espaço.

- Serra não é mais um homem de esquerda (foi ele mesmo que o disse), ele é mais ou menos um homem de centro. Isto, quanto a ele. Porque a sua candidatura, acho que ela pode ser considerada como uma candidatura de direita. Em primeiro lugar, houve, já antes do processo eleitoral, uma polarização de forças, e o conjuntos das forças sociais e políticas, digamos, conservadoras se concentraram em torno de partidos como o Dem e também o PSDB. Este já foi um partido de centro-esquerda, mas quaisquer que sejam as convicções de alguns, ou vários dos seus membros, ele não é mais de centro-esquerda. Isto significa, por um lado, que, mesmo que ele se comprometa a continuar certos programas postos em prática pelo governo Lula, um governo Serra teria muito menos, digamos, vocação para realizar políticas econômicas que ajudem os mais pobres. E isso no Brasil é urgente.

Porém, há uma coisa que me preocupa mais nesses partidos, PSDB inclusive. Fora o fato de que em matéria de “gente duvidosa” eles não ficam atrás do PT, existe hoje uma mobilização da extrema-direita, que se faz na periferia, senão no interior desses partidos. Dir-se-á que esse gente tem pouco peso, e no momento atual, não é uma real ameaça.

Mas, cuidado. Por trás de certo jornalismo de sarjeta, que se manifesta com a sua “finura” bem conhecida na campanha eleitoral, há dinheiro, instrumentos midiáticos, há o peso de seitas religiosas do tipo “Opus Dei” etc. Toco nesse assunto, porque, embora isto não seja ainda muito visível, existe, evidentemente, em escala mundial, uma reorganização da extrema-direita, cujo cerne é o movimento neo-conservador (seus membros são freqüentemente ex-gauchistas que inverteram os sinais). Ele atua nos EUA (articulando ex-gauchistas com mafiosos do tipo Karl Rove), mas também na Europa. Penetra na administração, nos partidos, e também nas universidades. Sua ideologia é uma mistura de “fanatismo do progresso” e fideismo medieval.

Ele explora essencialmente dois pontos fracos de parte da esquerda (ele só os vê na esquerda e não na direita e nele mesmo): as inclinações totalitárias, e a corrupção. Que aqueles que encarnam no Brasil essa tendência se movam em torno (ou mesmo dentro), de partidos que incluem um ex-partido de centro-esquerda como o PSDB, é um pouco assustador, embora o perigo não seja imediato. Mas importa registrá-lo, porque a médio prazo ele será efetivo.

A rigor, não é grave que um partido fique muito tempo no poder, isto se as regras democráticas forem respeitadas. O que se deve e pode fazer é: 1) denunciar toda eventual derrapagem institucional do eventual novo governo petista; 2) não embarcar na canoa da direita e principalmente da extrema-direita, que fará tudo para denunciar também conspirações inexistentes, em proveito próprio.

Complicado?

É complicado, mas uma política lúcida tem que responder à complicação do mundo.

Há três elementos essenciais. Combate pela defesa da democracia, em prol da crítica do capitalismo e contra a corrupção.

Mas primeiro preferiria completar o quadro da análise dos candidatos.

Plínio Arruda Sampaio consegue brilhar na TV, arranhando os adversários com críticas ao capitalismo nacional e mundial. Muito bem. Que Plínio inclua no seu programa pontos como a redução da jornada de trabalho, é positivo. Mas a visão global de Plínio, conhecemos. Ele é capaz de fazer as críticas mais detalhadas e sutis ao capitalismo, mas diante dos novos regimes de opressão e exploração, que surgiram há quase um século, e que não desapareceram da história (mesmo se sobrevivem, muitas vezes, em forma muito modificada), em relação a estes, Plínio e os seus amigos são de uma cegueira total. Eles crêem no que dizem os representantes destes regimes com a candura com que os ideólogos do capitalismo ocidental acreditam no democratismo de Bush. Para Plínio, é Marx na terra, e Deus (e Cristo) no céu. Dogmatismo que só prepara catástrofes. O paradoxo é que ele seria um melhor homem de esquerda se fosse mais sensível a certos temas que em principio são caros aos cristãos (respeito aos direitos do homem - também no plano internacional, luta contra a corrupção) e menos apreciador dessa iguaria indigesta que é o marxismo dogmático.

- Marina poderia ser a melhor candidata. Tem o mérito de ser de esquerda (ela o é, sem dúvida), e se revelar ao mesmo tempo anti-totalitária e anti-corrupção. Um dos seus pontos fracos é conhecido: sua religiosidade bastante tradicional. Outra coisa, e mais grave, é o que se passa com o partido verde. Se Marina se mostrasse (se mostrar) capaz de denunciar leilões de legendas e outros coisas desse tipo, que lá vicejam,ela seria, apesar de tudo, o melhor dos candidatos. - O novo governo deve continuar um programa de reformas. Em princípio, não creio que ameaçará internamente a democracia, embora no plano externo, eu não seja otimista quanto ao caminho que seguirá. O capítulo corrupção é certamente o mais pesado, mas é difícil prever.

Tentando resumir e generalizar. Aqueles três pontos, representam certamente as questões fundamentais. Nenhum deles é primeiro em relação aos outros. Eles se completam e se reforçam mutuamente. Um ponto que interessa diretamente a esses três elementos são as questões ligadas ao imposto de renda. A luta contra a sonegação, e a necessária alteração das cargas tributárias de maneira a beneficiar os mais pobres, abririam perspectivas muito favoráveis no programa da redução das desigualdades, na luta contra a corrupção, e no reforço da democracia.

Duas palavras finais sobre a corrupção. Sem dúvida, ela se encaixa mal nos velhos esquemas explicativos da esquerda tradicional. No artigo sobre o PT, a que me referi no início, a luta contra a corrupção entra de forma apenas adjetiva e sociologizante, como anseio (sempre suspeito) da classe média, ou como motivo de mobilização da direita. A análise intrínseca do que representa um partido que se pretende de esquerda mas que, ao mesmo tempo, tolera (para não dizer mais) a corrupção, está ausente.

Corrupção existe em todo lugar. Mas ela tem duas características inquietantes no Brasil. Uma, precisamente, é a de que ela atinge a fundo também os partidos de esquerda (na Europa, não é bem assim, há alguma corrupção também à esquerda, mas não dessa ordem). O outro é que se desenvolveu dentro da esquerda uma ideologia de tolerância “geral” em relação a tais práticas. E, mutatis mutandis, isso vale para todos os terrenos, grande política, universidade, vida pessoal. Aqui não é o lugar para dizer tudo o que teria a dizer sobre esse tema a propósito da universidade, ou mais precisamente, a propósito dos concursos universitários (não de todos). Disse-o numa entrevista à TV Escola, que dei no Rio há um ano (espero que a passagem não tenha desaparecido na versão final).

Para terminar, observo, voltando à grande política, que, além de outros méritos, uma mudança de atitude no campo da luta anti-corrupção daria a sustentação política necessária para promover reformas mais radicais do que as que se vai fazendo até aqui. Há sinais, aliás, de que uma mudança como essa poderá vir a ocorrer ou de que já esteja ocorrendo, penso numa campanha popular recente, que teve êxito e deu origem a um projeto de lei, hoje em vigor.

Fonte: Luis Nassif on line