terça-feira, 5 de abril de 2011

Entrevista com o Persio Arida


Ótima entrevista com o Persio Arida, no Valor desta terça-feira. Recomendo, também, o artigo do Delfim Netto e o do Belluzzo.






Será um grave equívoco permitir que a inflação do primeiro ano do governo Dilma alcance ou supere o teto da banda de tolerância do regime de metas. Teria um efeito deletério sobre investimentos, criaria complicações à frente no controle da inflação e afetaria o crescimento. Respeitar o limite, particularmente o superior, é crítico para o desenvolvimento econômico, avalia o economista Persio Arida que faz um alerta: se o mix de políticas monetária, fiscal, contração creditícia nos bancos oficiais e medidas macroprudenciais adotado pelo governo para manter a inflação sob controle não funcionar, a solução terá que ser um "overkill" (superdose) monetário. Mas ele entende que essa é uma solução extrema e vale a pena tentar evitá-la.
Um dos formuladores dos planos Cruzado e Real, ex-presidente do Banco Central e do BNDES, e sócio-fundador do BTG, Arida considera natural a apreciação do real, mas é crítico da baixa volatilidade da moeda no Brasil, que vê como armadilha. E sugere reflexão sobre um experimento imaginário em que o real seja plenamente conversível e o Banco Central deixe o câmbio flutuar sem amarras. Esse experimento seria uma espécie de "Ctrl + Alt + Del" que teria como resultado um enorme choque deflacionário na economia brasileira. O juro poderia ser reduzido sem o risco de afetar a inflação.

Criador da TJLP, quando esteve à frente do BNDES, Arida explica que a Taxa de Juro de Longo Prazo deveria refletir o custo de captação do Tesouro porque o BNDES é uma subsidiária do Tesouro. Esse custo já foi referente à captação externa. Atualizando o conceito da TJLP, a melhor "proxy" do custo do Tesouro é a NTN-B. Respeitar esse parâmetro, avalia o economista, minimizaria distorções alocativas e reduziria o juro básico - a Selic.

A seguir, leia a entrevista concedida ao Valor:

Valor: De que forma o senhor, um dos formuladores do Plano Real, vê o regime de metas brasileiro?

Persio Arida: O Brasil tem um sistema de metas com margem de tolerância grande, que é 2% para cima e 2% para baixo, e uma taxa média que é bastante alta para padrões internacionais. Temos espaço para acomodar flutuações da economia sem suscitar de imediato respostas do Banco Central. O sistema é bom, mas respeitar o limite, particularmente o superior, é crítico para o desenvolvimento econômico. Quando as expectativas de inflação saem do controle, há uma retração tanto no investimento privado brasileiro quanto nos investidores externos, e isso afeta o crescimento. O trade-off de curto-prazo inflação versus crescimento é válido numa faixa intermediária da banda de inflação, mas quando se está perto do topo só há uma coisa a fazer: combater a inflação. Se não combater a inflação, o governo estará prestando um desserviço nos dois fronts. Teremos mais inflação e menos crescimento.

Valor: A questão hoje é crescimento versus inflação?

Arida: Não. A questão hoje é só inflação. Se o governo for bem sucedido ele terá sucesso nos dois fronts.

Valor: Por que a inflação chegou perto do topo da banda?

Arida: O Brasil sofreu como todo mundo sofreu em 2008 o impacto da ameaça de um colapso bancário generalizado. Diante do risco de uma crise bancária sistêmica global, houve um colapso do investimento privado e uma forte retração na atividade industrial em todo o mundo. E o Brasil não foi exceção. A resposta em todo o mundo foi a mesma: políticas fiscais, monetárias e creditícias expansionistas, com garantias implícitas ou explícitas de que não haveria nenhuma outra quebra bancária. Obviamente cada país fez seu mix de políticas e a nossa teve peculiaridades, como a forte expansão do crédito do BNDES. Mas o Brasil, como a China, se recuperou antes dos outros porque, na verdade, tinha sido atingido por contágio, não porque tivesse algum problema de bancos quebrados ou bolhas especulativas em imóveis. Por conta disso, o problema de saber a hora de retirar os estímulos pós Lehman se colocou mais cedo para o Brasil e os emergentes em geral. No bloco central, somente agora, em 2011, a questão está se colocando.

Valor: No Brasil quando essa questão se colocou?

Arida: Em 2009 a questão já estava colocada. E o Brasil não fez contração dos estímulos no momento em que devia ter feito. O resultado é que uma resposta adequada em um momento acabou ficando disfuncional quando o problema desapareceu. Em outras palavras, a economia que se temia recessiva acabou sobreaquecida. A inflação foi impulsionada pelo choque de alimentos, é certo, mas tem um componente de serviços muito claro, o que é consequência do sobreaquecimento da economia.

Valor: As políticas atuais são suficientes para manter a inflação sob controle?

Arida: Estamos usando hoje um mix de instrumentos para manter a inflação sob controle, um pouco de cada coisa: política monetária, fiscal, contração creditícia nos bancos oficiais, e medidas macroprudenciais. Talvez a estratégia seja bem sucedida. Há dúvidas sobre o ajuste fiscal, mas medidas macroprudenciais são poderosas. Eu mesmo usei medidas dessa natureza, em 1995, para conter a demanda agregada, e numa forma mais agressiva e tosca do que a atual. Os mercados estão pessimistas, eu sei, mas, e digo pela minha própria experiência, criticar é fácil, fazer melhor é difícil. Se essa estratégia mista não for bem sucedida, a solução terá que ser um 'overkill' monetário. Mas essa é uma solução extrema, vale a pena tentar evitá-la.

Valor: Pelas indicações do momento, o primeiro ano do governo Dilma corre o risco de registrar inflação no teto da meta ou acima. O que isso significa?

Arida: Seria um grave equívoco deixar que isso acontecesse. Teria um efeito deletério sobre investimentos, criaria complicações à frente no controle da inflação e afetaria o crescimento.

Valor: Expectativas são importantes? O senhor disse de início que expectativas desorientadas podem afetar decisões de investimentos.

Arida: Lidar com expectativas, naturalmente fluídas, é sempre difícil. De um lado, o Banco Central não pode ser refém do mercado. Deve nortear as expectativas e não ser caudatário delas. Por outro lado, há que se prestar atenção às expectativas porque a perda de credibilidade é muito custosa.

Valor: A política monetária perde eficiência com excesso de crédito de bancos públicos a juros subsidiados...

Arida: Há três questões relacionadas à eficiência da política monetária: o câmbio, o crédito direcionado e a política fiscal.

Valor: O senhor que tem teses polêmicas sobre câmbio pode dizer em que situação estamos?

Arida: O meu pensamento sobre câmbio é o mesmo há um bom tempo. É natural que o real se aprecie porque o país cresce e os mercados financeiros estão em uma trajetória sustentável, embora ainda não finalizada. Além disso, a apreciação também é consequência da fraqueza do dólar. Moeda é sempre um jogo relativo, uma contra a outra. Durante um bom tempo, o Banco Central cuidou de moderar a apreciação acumulando reservas. Foi uma boa política porque, como o Brasil não tem moeda conversível, estamos ainda sujeitos a paradas súbitas de financiamento. Até certo ponto, as reservas se justificaram porque funcionavam como um seguro.

Valor: Existe um limite para acúmulo de reservas?

Arida: Não existe limite algum para acúmulo de reservas. O limite é dado pelo bom senso porque as reservas nos custam o diferencial de juros doméstico e externo. Meu ponto é outro e é relacionado a um princípio básico de política econômica. Toda vez em que se comprime artificialmente a volatilidade de um ativo econômico isso acarreta distorção em algum outro lugar da economia. O Brasil já não tem moeda plenamente conversível, o que em si limita a volatilidade do câmbio. Além disso, as intervenções do Banco Central e do Tesouro, tanto no manejo de reservas quanto no plano regulatório, são previsíveis porque vão em uma única direção. Como resultado, o câmbio ficou com volatilidade abaixo do que deveria. O incentivo funciona ao revés - o estrangeiro ou vai ganhar o diferencial de juros ou o diferencial de juros mais a apreciação cambial. Ganha muito ou mais ainda. Portanto, acaba entrando mais capital do que deveria entrar em circunstâncias normais.

Valor: Isso tem consequências...

Arida: Pense num experimento imaginário em que a moeda seja plenamente conversível e o Banco Central deixe o câmbio flutuar livremente. Isso criaria um enorme choque deflacionário na economia. O Banco Central poderia reduzir a taxa de juro sem risco de afetar a inflação. No dia seguinte, os agentes se veriam diante de uma taxa de juro muito menor e uma taxa de câmbio com riscos simétricos. O influxo de capitais cairia muito. O experimento imaginário "ressetaria" o sistema, uma espécie 'Ctrl + Alt + Del". O resultado final talvez seja uma taxa de câmbio até mais desvalorizada do que a atual. Obviamente do experimento imaginário à recomendação de política econômica vai uma imensa distância e uma forte contração fiscal ajudaria muito na implementação da plena conversibilidade da moeda. Meu ponto é que ter como objetivo reduzir a volatilidade da taxa de câmbio é um equívoco.

Valor: E a taxa de juro? E a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) que o senhor criou quando presidiu o BNDES? Qual era a concepção?

Arida: A taxa de juro de longo prazo foi criada com um conceito por detrás, mas o conceito se perdeu ao longo do tempo. Nossa Constituição aloca o PIS/Cofins ao FAT e de lá ao BNDES. Pode-se criticar essa tortuosa construção institucional, mas ela está vigente e tem que ser respeitada. Meu raciocínio era que a TJLP, a taxa do funding de longo prazo do BNDES aplicável aos recursos que vem do FAT, deveria ser refletir o custo de captação do Tesouro de longo prazo porque o BNDES é uma subsidiária integral do Tesouro. Esse é o conceito que minimiza as distorções alocativas. Quando a TJLP foi criada, o único funding de longo prazo do Tesouro era aquele disponível no mercado externo. Por isso, as primeiras TJLPs refletiam o custo, em reais, da cesta de moedas que se usava na captação externa do Tesouro. Se atualizarmos esse conceito para hoje, a melhor proxy do custo de longo prazo do Tesouro Nacional é a NTN-B. Obviamente, em condições excepcionalíssimas, em que mercados ficam disfuncionais, como foi o caso durante a crise da Lehmann, pode-se fixar a TJLP em outras bases, mas em geral a TJLP deveria refletir o custo do Tesouro.

Valor: E que diferença isso faria hoje?

Arida: Além de minimizar distorções alocativas, a proposta original, se aplicada hoje, reduziria a taxa de juros Selic. A razão é a seguinte. Se a TJPL fosse fixada pela NTN-B, aumentariam os custos de empréstimos do BNDES. Isso provocaria uma redução na demanda agregada que abriria espaço para uma redução da taxa de juros para as mesmas condições inflacionárias. Ou seja, o crédito ficaria mais caro para os tomadores de recursos do BNDES mas ficaria mais barato para a sociedade como um tudo. Além disso, a queda na Selic provocaria por arbitragem a queda no custo de captação de longo prazo nas NTNs-B.

Valor: Como o senhor vê a atuação pesada de bancos oficiais iniciada na esteira da crise de 2008?

Arida: Exatamente como vejo a política fiscal. Resposta correta na crise, bom exemplo de política anti-cíclica, mas que se tornou disfuncional quando o ciclo de negócios se normalizou.

Valor: E a política fiscal?

Arida: O assunto é complexo! Duas reflexões rápidas. Há uma expansão de gastos públicos primários em termos reais no Brasil que é muito preocupante. E isso não é de hoje. Há também a métrica de controle. Qualquer gerenciamento exige que se tenha instrumento de controle adequado, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Nossa contabilidade pública ainda reflete um tempo que já passou, quando tudo o que importava era controlar o caixa do Tesouro para evitar que a demanda saísse do controle. A contabilidade pública deveria ser norteada pelos mesmos princípios da contabilidade privada: competência e não caixa; captando as participações acionárias do Tesouro via equivalência patrimonial ou consolidando integralmente na holding que é o Tesouro; e redefinindo o conceito de superávit primário ao montante efetivamente disponível para quitar o endividamento. É preciso lembrar que a contabilidade pública é deficiente não só no Brasil. Enfim, assunto para outra entrevista.

Fonte: Valor