quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Entrevista com Mark Gertler da Universidade de Nova York

Valor: O sr. se surpreendeu com a decisão do Fed de não reduzir o ritmo de compra de ativos?

Mark Gertler: Na verdade, não, porque o Fed disse o tempo todo que as suas decisões de ajustar o fluxo de compra de ativos dependeriam das condições econômicas. Acho que a economia se mostrou um pouco mais fraca do que eles esperavam desde a reunião anterior e a inflação continua baixa. Além disso, os juros de longo prazo haviam subido bastante.

Valor: Foi a decisão correta?

Gertler: Acho que sim. O problema é que o Fed é a única instituição na cidade que está tentando fazer alguma coisa pela economia. O Congresso parece dedicado a estragar tudo. Houve o aumento dos juros de longo prazo, o que poderia desacelerar ainda mais a recuperação.

Valor: O comunicado do Fed diz que o aperto nas condições financeiras registrado nos últimos meses, se mantido, poderia desacelera o ritmo de melhora da economia e do mercado de trabalho. É de algum modo um mea culpa pelo efeito que o próprio Fed causou nas taxas de longo prazo ao acenar com a redução das compras de ativos?
Gertler: Primeiro, quando se fala em culpa de primeira ordem, é necessário falar do Congresso. Se houvesse algo minimamente próximo a uma política fiscal responsável, nós não estaríamos na confusão em que estamos. O Fed tem sido bastante consistente. Eles disseram que as decisões iam depender das condições econômicas e também das condições financeiras. Uma das lições para o mercado é que, quando o Fed decide sobre o ritmo de compra de ativos, é menos importante olhar para o tamanho do balanço (do Fed) do que para os juros de longo prazo, e essas taxas subiram de modo significativo, o que poderia frustrar a recuperação ainda mais.

Valor: Em junho, Bernanke havia dito que poderia encerrar as compras de ativos em meados de 2014, quando a taxa de desemprego poderia estar em 7% caso a retomada estivesse firme. Agora, ele deixou de lado esse limite de 7%. Por quê?

Gertler: Provavelmente por causa da queda da taxa de participação na força de trabalho, o que de algum modo faz a taxa de desemprego subestimar a fraqueza do mercado de trabalho. A relação entre as pessoas empregadas e o total da população também continua bastante baixa. Uma possibilidade é que a taxa de desemprego seja um pouco enganosa agora.

Valor: Na coletiva, Ben Bernanke parecia de fato menos confiante sobre o que a taxa de desemprego informa sobre as condições do mercado de trabalho.

Gertler: Sim. E outro fator completamente objetivo é que a inflação continua baixa, o que lhes dá espaço para uma política expansionista. Uma inflação abaixo da meta é um sinal de fraqueza na economia. Ainda que você não possa saber a taxa natural de desemprego (que não acelera a inflação), um sinal de que a desocupação está acima dessa taxa é que a inflação continua abaixo da meta.

Valor: Em que medida o ritmo de aperto fiscal e o risco de interrupção das atividades do governo e a discussão sobre o teto da dívida influenciaram a decisão do Fed?

Gertler: Há um grande efeito. Eu fico feliz em ser citado dizendo isso. O Congresso, em especial a Câmara dos Deputados, é uma desgraça absoluta.

Valor: A política fiscal está restringindo a recuperação?

Gertler: Sim, sem dúvida. A política monetária não teria que ser tão expansionista se a política fiscal fosse responsável. Há essas pessoas conduzindo a política fiscal de modo completamente irresponsável, em parte por motivos ideológicos e em parte porque não são muito inteligentes. Eles dificultam a vida para o Fed e depois o criticam por ser expansionista, quando o motivo para o expansionismo é que o Fed tem que compensar o que fazem no Congresso. O foco precisa estar no Congresso.

Valor: Qual a eficácia do QE3?

Gertler: É difícil dizer com certeza, porque é necessário fazer um exercício contrafactual para analisar o que teria ocorrido sem o QE3. Mas há alguma evidência de que os juros das hipotecas caíram por causa disso. O mercado imobiliário é um dos setores mais fortes da economia. O recuo das taxas de hipotecas ajudou a puxar os preços de imóveis e a demanda. O Fed se mostrou preocupado porque essas taxas estavam em alta (nos últimos meses).

Valor: Como o sr. vê a política de orientação futura (forward guidance, em inglês) adotada pelo Fed depois da crise, para guiar as expectativas na economia?

Gertler: Com os juros próximos de zero, a orientação futura é o que sobra para as taxas de curto prazo. Para o QE, você também tem que fazer a orientação futura, porque o efeito não depende apenas do que você faz hoje, mas do que se espera que você faça amanhã. Nós vivemos num mundo em que todo mundo entende em que o importante não é apenas o que o Fed faz hoje, mas também o que diz que vai fazer amanhã.

Valor: Quem o sr. considera a melhor opção para suceder Bernanke no comando do Fed?

Gertler: Janet Yellen. Ela é muito experiente, mostra boa capacidade de julgamento e é bastante respeitada. O momento atual é um período muito complexo para a política monetária. Ela faria uma transição suave, porque ela está lá e sabe o que está ocorrendo. Acho que seria difícil para alguém de fora entrar lá agora.

Mark Gertler é professor da Universidade de Nova York



Fonte: Valor